“Devagar e sempre” – Slowly but surely

Uma viagem pela América do Sul.

Meu nome é Atila Valadares, tenho 29 anos, e desde março estou viajando de bicicleta pela América do Sul. Essa é uma viagem a dois, a jornada é compartilhada com minha namorada, Magda que é polonesa. O objetivo inicial era pedalarmos todo o trajeto desde o litoral caribenho da Colômbia, até o extremo sul do continente, na Patagônia, no período de um ano. Passados seis meses do começo de nossa viagem, uma série de acontecimentos alheios a nossos desejos fizeram o objetivo mudar um pouco.

Atila e Magda

Nossa saída do Brasil foi no dia 27 de março de 2017 em um voo de Porto Alegre a Bogotá, capital da Colômbia. Em Bogotá passamos cerca de uma semana finalizando a preparação das bicicletas, comprando algumas coisas de equipamento que ainda não possuíamos e planejando os últimos detalhes da aventura. Passada esta semana, pegamos um avião para Santa Marta, de onde o tão aguardado pedal rumo ao sul finalmente começaria.

Da esquerda para direita: bicicleta do Atila e bicicleta da Magda

Partimos! Pedalamos no calor da costa Colombiana, com sua alta umidade e média de temperatura próxima dos 40 graus. Estávamos muito felizes por finalmente estarmos vivendo o sonho que planejávamos já a um bom tempo. Mas vocês sabem... Como diz o poeta, a vida é uma “caixinha de surpresas”. Após pedalarmos apenas quatro dias, de Santa Marta até a incrível e histórica cidade de Cartagena, as dores nas costas da Magda se tornaram insuportáveis. A Magda tem um problema crônico na coluna, uma discopatia que a incomoda há muitos anos. Poucas semanas antes de começarmos a viagem, brincando com minha sobrinha, ela começou a sentir dor. Ao final do quarto dia pedalado a dor se tornaria insuportável.

Precisávamos de descanso. A Magda necessitava de tempo para recuperar-se. Decidimos então pegar um ônibus até a Casa de Ciclistas de Medellín. Um lugar que há quase 10 anos recebe cicloturistas de todo mundo sem pedir nada em troca. Estivemos na casa por quarenta dias. Lá tivemos a oportunidade de conhecer cicloturistas de muitos lugares do mundo. Argentinos, Uruguaios, Colombianos, Alemães, Franceses, Belgas... Ganhamos grandes amigos, vivemos momentos incríveis, e aprendemos muitas informações valiosas sobre os lugares que visitaríamos no futuro.

Magda durante descanso das pedaladas 

Quando a Magda estava recuperada decidimos pegar um ônibus para Quito, capital do Equador. Estávamos decididos a continuar a viagem de lá. Queríamos muito a mudança de ares. A Colômbia é um país incrível, mas de alguma maneira, as coisas não haviam ocorrido da melhor maneira para nós enquanto estávamos em seu território.

Mas escuta aqui amigão, você já ouviu falar em Carma? Zica braba? Zoeirinha do destino? Eis que, subindo no ônibus para Quito, eu senti uma “fisgada” na minha coluna. Pela primeira vez em quase 30 anos de vida era eu quem sofria com as dores nas costas. Essa foi a minha vez de precisar de descanso. Passamos quarenta dias em outra casa de ciclistas, a de Tumbaco (ao lado de Quito). Como tudo tem um lado bom, em Tumbaco também vivemos grandes momentos. Tornamos-nos amigos do Santiago Lara (o cara que há 26 anos recebe os viajantes na sua casa) e de sua família. A casa de ciclistas de Tumbaco é a segunda mais antiga do continente, somente atrás da casa de Trujillo (Peru), do lendário Lucho.

Casa de ciclistas de Tumbaco/Equador - Santiago Lara 

Resumindo o drama, e partindo para o pedal que é o que interessa. Os grandes dramas (alguns pequenos percalços aconteceriam mais adiante) se acabaram no fim de junho, quando finalmente me recuperei, e pudemos então seguir viagem. Nesse momento, três meses de nossa saída do Brasil já se haviam passado, e pouco ou quase nada havíamos pedalado.

Quando saímos de Tumbaco, fomos direto a um dos lugares mais lindos que já tivemos a oportunidade de conhecer, o Vulcão Cotopaxi. Um lugar deslumbrante, aonde chegamos a pedalar na casa dos 4.000 metros de altura sobre o nível do mar. Uma tarefa bastante dura pois estávamos completamente “enferrujados”. Apesar de todo o esforço essa travessia valeu muito a pena. Sentíamo-nos vivos, fortes (finalmente), e capazes de realizar o sonho de pedalar através do nosso incrível continente.

Caminho ao Vulcão Cotopaxi (Equador) 

Depois de cruzar o Cotopaxi nosso trajeto rumo ao sul do Equador seguia sempre pela cordilheira. As paisagens dessa região são completamente incríveis. Cruzamos outro vulcão, o Chimborazo. O cume do “Chimbo” é o ponto da terra mais próximo do sol. Por passar dos 6000 metros, e estar na linha do Equador, ele consegue estar mais distante do centro da Terra que o próprio Monte Everest. Fato que é motivo de orgulho para os Equatorianos.

Por do Sol - em algum lugar pela Cordilheira Equatoriana 

Via flores - Travessia do Vulcão Chimborazo (Equador) 

No dia 13 de setembro chegamos a Loja, a última grande cidade no sul do Equador. Esta seria a nossa última cidade nesse país onde vivemos tantas coisas maravilhosas. Neste momento eu já estava ilegal no país há mais de 20 dias. Decidimos então pegar um ônibus (três na verdade, já que não existem linhas diretas) até Huaraz, no Peru. Este ônibus resolveria alguns de nossos problemas: tiraria-me o mais breve possível do país onde estava ilegal, nos faria evitar a insegurança do norte do Peru, muito alertada por outros amigos cicloturistas, e o mais importante, nos faria ganhar tempo, e aumentaria nossa chance de chegarmos a Ushuaia até o final de março.

Da esquerda para direita: Pneu furado na saída de Saraguro (Equador) - Caminho a Loja (Equador)

Este é o mapa com o trajeto realizado no Equador.  Não consegui incluir algumas rotas por caminhos “alternativos”, como a travessia do Cotopaxi via El Pedregal, e a travessia do Chimborazo por Via Flores.

No dia 19 de setembro chegamos a Huaraz, de onde começaríamos a nossa volta a Cordilheira Branca através do famoso Parque Nacional Huascarán. Este é um pedal com o qual sonhávamos a um bom tempo. A região é apontada por muitos como uma das mais lindas – talvez a mais linda – para pedalar de todo continente. Neste momento em que escrevo este texto estamos na cidadezinha de Chacas. Para chegar aqui tivemos de pedalar até quase 5.000 metros de altitude, cruzando o túnel de Punta Olimpica, o mais alto do mundo.

Huaraz, Peru. Região onde escrevemos este artigo

Trajeto de Carhuaz até o controle do Parque Nacional Huascarán (Peru) 

Este é o mapa com o trajeto que estamos seguindo na nossa volta pela Cordilheira. Estamos Atualmente em Chacas.

Acampando próximo a entrada do parque Nacional Huascarán (Peru) 

Parque Nacional Huascarán (Peru) 

Assim que finalizarmos a volta pela Cordilheira Branca vamos pegar um ônibus até Lima, de onde seguiremos rumo ao sul. Necessitamos ganhar tempo, e isso infelizmente vai nos obrigar a pegar mais alguns transportes e saltar algumas regiões onde gostaríamos de pedalar. No momento nosso plano é atravessar a fronteira para a Bolívia até o começo de novembro.

Na Bolívia queremos fazer este trajeto

 

Descida a Chacas (Peru) 

Realizar uma viagem deste tipo é estar vivendo um sonho e vivenciando coisas novas a todo o momento. As dificuldades sim existem, mas são muito menores que as imaginadas por aqueles que olham de fora. Recomendo a todos aqueles que sonham em viver algo parecido, que o façam acontecer. A parte mais difícil de todas é sair de casa. Pedalar, comer, e encontrar um lugar para dormir não são tarefas tão duras. A generosidade das pessoas é enorme e a bicicleta carregada com seus alforjes ainda desperta admiração e curiosidade por onde passa.

Quase a 5.000 metros acima do nível do mar, próximo ao túnel de Punta Olimpica (Peru)

Deixo aqui o primeiro episódio da web série que conta o que estamos vivendo na estrada.


https://www.facebook.com/slowlybutsurely.bike/videos/1252445498199349/

Um grande abraço e boas viagens a todos,

Atila Valadares.

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