Pedalando e educando: 34º Relato

39° Diário - 2004 Eslovênia e Croácia

Dobar dan amigos!!

Acabo de visitar a Eslovênia e a Croácia. Suas áreas são pequenas e, mesmo de bicicleta, acabei passando rápido demais e não fazendo juz à beleza e hospitalidade de ambos. Esse trecho foi feito junto com minha irmã Amanda e as amigas Isabelle e Antonella. Pedalamos, paramos, comemos e nos divertimos bastante.

Isabelle já fez uma volta ao mundo de bicicleta, Antonella é ciclista em Verona e minha irmã há mais de dez anos não pedalava! Nos primeiros dias ela aprendeu a passar a marcha da bicicleta e durante toda a viagem surpreendeu pela persistência.

 

Todas precisaram voltar para trabalhar ou estudar. Antonella foi conosco até o início da Eslovênia, Isabelle foi quase até a Croácia e Amanda foi até a fronteira com a Bósnia. Juntos tivemos campings com chuva, montanhas e frio mas todos perrengues foram levados com muito bom humor e união. Valeu amigas!

Macieira na beira da estrada

Nossa primeira impressão da Eslovênia não poderia ter sido melhor. Depois de uma longa jornada no plano italiano, começamos a pedalar por um lindo vale entre imensas montanhas com mais de 2000 metros. Além da paisagem, nos impressionou também a hospitalidade de todos.

Para usarmos internet sempre buscamos centros estudantis que nunca nos deixaram pagar nada, para dormir quase todos os dias tivemos convites e, quando fizemos campings também foi grátis. Nossas refeições eram o delicioso pão esloveno com as frutas na beira da estrada. Que maravilha!

No país das montanhas fizemos um percurso que evitou os pontos mais altos e cruzamos o Julian Alps por vales até chegar no rio Sava. Pouco antes de Liubliana encontramos uma família que, além de nos hospedar, fazer um jantar e levar para conhecer toda a região, também nos acompanhou de bicicleta até a capital.

Um pouco sobre a Eslovênia...
Agora estou passando pelos países que foram formados após a dissolução da Iugoslávia em 1991.

Antes eles viviam em regime comunista que terminou junto com o fim da Guerra Fria. Diferente da Croácia e Bósnia-Herzegóvina, a Eslovênia obteve a independência em 1991 praticamente sem guerra.

 Devido à homogeneidade cultural e religiosa (91% da população é de eslovenos e 92% é de cristãos - 1996) de seus habitantes e à ajuda da Europa Ocidental, o confronto durou apenas nove dias.

Quase todos são católicos e é muito fácil ver a imagem de Jesus crucificado na frente das casas.

 

 

Liubliana

Liubliana é a capital desde a independência e possui apenas 295 mil habitantes (1999). Quando chegamos foi difícil acreditar que estávamos na capital do país. A cidade é tão arborizada e tranqüila que parecia uma pequena vila rural.

Centro de Liubliana

A cidade é plana e possui pistas cicláveis em todas as ruas. A bicicleta é o principal meio de transporte da maioria das famílias e dos 35 mil estudantes da Universidade de Liubliana.

Da capital seguimos o fértil vale do rio Sava e passamos por várias vilas rurais famosas por seus vinhos. Nas áreas rurais toda a família trabalha.

Bicicletas em Liubliana

Existem tratores mas muitos trabalham manualmente. O trabalho rural é dividido entre homens e mulheres. (13% das mulheres e 12% dos homens trabalham com agricultura - 1994-97).

 

Eslovênia na Comunidade Européia
A Eslovênia possui uma boa estabilidade econômica e política e foi o primeiro país da ex-Iugoslávia a fazer parte da União Européia (maio de 2004). A transição do sistema socialista para o capitalista parece ter sido tranqüila. Mas logicamente vieram também os problemas do novo sistema. No país, por exemplo, praticamente não existem pequenos mercados. Quase todos os supermercados são de um mesmo dono que tem o monopólio da área. Ainda não usam o euro mas a acensão econômica fica clara com a massiva construção de novas casas em todo o país.

Infelizmente, é difícil imaginar que as transformações serão positivas. Em geral, locais onde a beleza está na natureza e simplicidade, só tendem a piorar com o "desenvolvimento".

A idioma esloveno é incrivelmente difícil mas todos jovens falam muito bem o inglês. 100% dos homens e mulheres é alfabetizado.

Construções típicas para apoio na agricultura

CROÁCIA

Na fronteira com a Croácia eu estava um pouco preocupado porque havia vencido meu visto de três meses na Comunidade Européia.

Quando entregamos os passaportes os policiais nos olharam e entraram num quarto. Achei que viria problema mas, logo depois, voltaram com mapas e refrigerante gelado para nós. Sejam bem vindos a Croácia!

Um pouco sobre a Croácia...

O país possui 4,4 milhões de habitantes dos quais 95,2% é de cristãos. 78,5% são croatas e 12,5% são sérvios. Existe pouca miscigenação e não vi nenhum negro. Quase todos são brancos e loiros.

Da Itália até Croácia - nunca vi tanta plantação de milho!

As maiores exportações são de maquinários, equipamentos de transporte, tecidos e produtos químicos. O país é mais caro do que eu imaginava e tem quase os mesmos preços que a Europa Ocidental. Em junho de 2004 o país se tornou um candidato oficial para entrar na Comunidade Européia. A expectativa é de ingressarem em 2007.

Falam o croata, uma variante literária do servo-croata. Na escola aprendem o alemão e é difícil encontrar alguém que saiba o inglês. O país está claramente judiado com a guerra da independência e com a corrupção e nacionalismo autoritário do ex-presidente Franjo Tudjman. A independência foi a pior guerra européia desde a II Guerra Mundial e agora tudo parece estar sendo reconstruído.

Fachada metralhada

Muitas das tradicionais casas de madeira estão abandonadas e caindo aos pedaços e praticamente todas as famílias vivem em casas de tijolos ainda em construção.

Vários edifícios do governo estão restaurando as fachadas com buracos de balas. Mas, como já é de praxe, são nesses locais cheios de problemas onde encontro a maior hospitalidade.

Junto com minha irmã Amanda pedalamos pelo vale do rio Sava e fomos direto para Zagreb. O pequeno centro histórico é lindo mas, para chegar lá, passamos pela verdadeira capital cheia de poluição e sujeira.

A cidade maltrata o rio Sava que, desde este ponto, começa a ter um cheiro horrível.

Centro de Zagreb

Chequei com as Embaixadas a possibilidade de fazer minha rota pela Bósnia e Sérvia-Montenegro mas a burocracia me fez desistir. Seriam 15 dias de espera com chances da enrolada história da Líbia se repetir. Resolvi então ir via Hungria que, por também ter acabado de entrar na União Européia, me oferece 3 meses de estada sem necessidade de visto.

Todos nos falaram para visitarmos a linda costa Adriática. Mas, além de fora da rota, a costa seguramente seria, mais uma vez, um lugar cheio de turistas e pessoas se aproximando somente com interesse em dinheiro.

Achamos mais interessante ver exatamente o oposto - as pequenas vilas rurais sem nenhum turista e com a real vida croata.

Ficamos pouco tempo na capital e logo seguimos para perto da fronteira com a Bósnia. Essa região foi o centro dos conflitos. No caminho acampamos nos fundos de um restaurante de amigos que serviam as tropas na guerra.

A borda da guerra era a apenas 2 km de sua casa. "-Antes da guerra os negócios iam bem com a ligação das indústrias de Zibak a Zagreb e com as estradas cheias, durante a guerra destruiram as indústrias e os únicos clientes eram as tropas do exército. Hoje está péssimo e nem sequer temos as tropas para alimentar.

Mas aos poucos o comércio está voltando e acreditamos que daqui alguns anos tudo voltará ao normal." Disse o amigo Domingo, dono do restaurante.

Tradicionais casas de madeira

No país parece que todos participaram direta ou indiretamente na guerra. No outro dia ficamos na casa de uma amiga que nos levou para conhecer a cidade e passou todo o dia falando sobre as atrocidades que os "selvagens sérvios" fizeram. Falou de casos de sérvios batendo em velhinhas, queimando crianças, estupros, etc.

Tradicionais casas de madeira

Fiquei curioso para escutar a versão do outro lado da guerra pessoalmente. Segundo os jornais e enciclopédias, em ambos países existem pessoas sendo processadas por crimes de guerra e, segundo meu ponto de vista, esta foi uma das mais estúpidas guerras que já ocorreram.

Todos perderam e hoje, além do atraso na infra-estrutura dos países, todos os habitantes vivem com as eternas memórias de uma década de horror.

Amanda voltou para Paris e eu segui para a Hungria. No caminho pedi um lugar no fundo de uma casa para acampar. O dono, sem falar uma palavra em inglês, me convidou para ficar na casa e ofereceu jantar. Acabei ficando dois dias esperando uma chuva forte passar.

Aos poucos fomos nos entendendo com mímicas e descobri que o amigo é um ex-combatente que, durante os cindo anos no exército, levou oito tiros!

Hospitalidade do amigo ex-combatente

Hoje ele vive com a mulher e a filha que era recém nascida durante a guerra. Ele me mostrou as fotos do exército e as medalhas. Depois mostrou que gostaria de jogar tudo no lixo. Abriu um sorriso e deu um abraço na filha que foi, seguramente, o motivo dele ter conseguido sobreviver a tudo. O dia de chuva serviu para ver um pouco de olimpíadas e jornais na TV. Na minha viagem, mesmo na Croácia, o mundo segue lindo e na televisão ele segue cheio de problemas. Como é bom viajar de bicicleta!

Segui viagem passando por muitas florestas e vilas. Nos quintais das casas vi muita lenha para os fogões, galinhas, porcos, poços d´água e as imagens de Cristo.

Para evitar as perigosas estradas sem acostamento e com rápidos carros, fiz quase toda viagem em pequenas rotas sem asfalto. Mas sempre tive o cuidado de saber se aquela era uma rota utilizável pois muitas estradas ainda estão minadas.

 Minas nas pequenas rotas e florestas

Minha primeira tentativa de entrar na Hungria não deu certo. A fronteira húngara estava sendo reconstruída e fechada. Tive de pedalar mais 100 km para entrar acompanhando o rio Danúbio, a única fronteira aberta na região. Subi o rio Danúbio e agora estou na linda Budapeste, mas a Hungria vai ficar para a próxima! Grande abraço, Argus


PATROCÍNIO: Cultura Inglesa T-bolt Mountain Bike by Proton Edar
APOIOS: Atex Lajes Nervuradas, BHZ Arquitetura, SOL Serviços On Line, Telsan Engenharia, Prudential Bradesco e Rotary Club
*Os Textos completos você encontra no site: www.pedalandoeeducando.com.br

 

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