Serras de Minas: Babilônia, Canastra e Sete Voltas

SERRAS DE MINAS: BABILÔNIA, CANASTRA E SETE VOLTAS 

Início da viagem - Claraval (MG)

Após viajar de bicicleta, quase que religiosamente todas as férias, tem ficado cada vez mais fácil se organizar para uma nova aventura. Agora é só abrir os armários e assobiar, que a bagagem já pula pra dentro dos alforjes.

Foi assim que eu e Rodrigo, ao vermos abrir uma pequena brecha em nosso calendário, agilizamos como pudemos todos os preparativos (em dois dias, nosso recorde!) e começamos nossa jornada em direção à Serra da Canastra.

Um dos poucos trechos de asfalto

Cada viagem traz uma sensação de novidade, e pensando bem, talvez seja essa uma forte razão que motive o turismo em todo mundo, mas o caso é que desta vez o novo sabor para nós era muito simples: poder começar a pedalar já da porta de casa, em Franca. Antes, morando em São Paulo, optávamos sempre por pegar algum ônibus e iniciar a viagem num outro local, para evitar a saída com aquele estresse da cidade grande.

Por estradinhas de terra paralelas ao asfalto e estradinhas escondidas, que cruzavam fazendas e morros, fomos chegando a Delfinólpolis, praticamente sem tocar as rodas no asfalto. Estrada de terra é sinônimo de tranqüilidade. Mas nem sempre! Alguns trechos que pegamos estavam tão bons que os motoristas exageram, pensando que estão no asfalto.

Eliana na balsa para Delfinópolis (MG): eba! bicicleta não paga!

Passavam a uns 80km/h, fazendo voar pedras em todas as direções e deixando para trás aquela nuvem de poeira, que subia encobrindo toda a estrada. O grande perigo, além das pedras, é vir algum carro e não nos enxergar no meio do poeirão.

Em Delfinópolis, passamos alguns dias rodando com a bicicleta vazia (ufa, que alívio!), conhecendo algumas das dezenas de cachoeiras da região.

Passeando sem peso

Lugares lindos que valeram a pena a parada: as águas, tão cristalinas quanto geladas, e o sol, mesmo de inverno, queimando a pele. As subidas sempre lá, para qualquer lugar que fossemos, afinal, viajar por Minas Gerais é assim, não se anda quinhentos metros sem pegar uma ladeira. Sabíamos pelos mapas, que era possível sair de Delfinópolis e chegar à Serra da Canastra somente por estradinhas de terra.

Mas, uma vez em Delfinópolis, constatamos não só uma estrada, mas um leque de opções. Porém, as informações eram as mais desencontradas possíveis.

No final, decidimos da maneira como sempre fizemos antes: iremos pelo caminho mais bonito, não importa se é o mais difícil ou não.

Água cristalina... e gelada!

Assim, optamos pelo que nos pareceu mais atraente: cruzar a Serra da Babilônia, passando por um local chamado Cidade de Pedra e pelo rio Bateinha. Nossos esforços não foram poucos, mas foram totalmente recompensados até a última gota de suor: foi a região mais bonita e isolada de toda a viagem.

Vencida a primeira serra a partir de Delfinópolis começamos a entrar na Cidade de Pedra. São curiosas formações rochosas, altas como se alguém tivesse, propositalmente, empilhado blocos um acima do outro.

Estacionamos as bicis e ficamos várias horas por ali, perambulando, inventando caminhos e subindo nas rochas. Avistávamos a represa de Furnas lá embaixo e outras serras mais adiante, num irresistível convite à contemplação. Deixando a Cidade de Pedra continuamos pegando muita, mas muita subida mesmo até atravessar toda a Serra da Babilônia.

Cachoeira do Sonho - Delfinópolis

Em certos trechos a estrada está destruída pela erosão e até para um jipe seria difícil passar por ali. Insistentemente, o areão resolvia aparecer bem no meio da subida.

Era uma areia tão fina que parecia um polvilho, afundava até o tornozelo. Para piorar, surgiu uma outra variação de areão, um "areão de pedra".

Era uma camada alta de pedras soltas que nos obrigava a empurrar as bicicletas uma a uma. Empurrávamos a primeira e depois descíamos para buscar a outra.

O peso extra, devido ao material de acampamento e comida, se fazia lembrado a cada pequeno passo. Enquanto isso a paisagem dava show. A uma certa hora, visualizamos com precisão o local onde pedalávamos.

Buzinar?

Era uma seqüência de três serras paralelas e nós estávamos na do meio, pedalando pela crista. Para os dois lados que olhássemos, víamos os riachos passando lá embaixo, gerando um verde que contrastava com os campos ressecados da parte de cima das serras.

Durante todo o dia o sol castigava (só há vegetação rasteira nestes campos em cima da serra). As sombras das árvores que avistávamos ao longe, como que numa miragem, não passavam de pequenos arbustos quando chegávamos mais perto.

Não bastasse isso, várias vezes um ruído de fundo surgia de repente na imensidão. Provavelmente nossa imaginação nos enganando de novo, mas ouvíamos nitidamente o barulho de um caminhão vindo de trás.

Areia na subida, só empurrando mesmo.

Virávamos a cabeça, olhávamos de um lado e de outro e nada, o barulho sumia. Por sinal, já não é a primeira viagem que este ruído nos acompanha, estamos até nos acostumando com ele e o apelidamos de "caminhão fantasma". Para passar as noites escolhíamos a dedo o local. A barraca é pequena, mas o quintal, esse sim era grande, ia até onde a vista alcançava. Nada se movia, somente o sol no seu movimento aparente, dando-nos mais um entardecer maravilhoso.

No dia seguinte, o tempo, quente e abafado demais, dava anúncios de que algo estava para acontecer. Não deu outra. Apesar de ser inverno, plena época de seca, no final da tarde desabou um temporal daqueles amazônicos.

Formações curiosas na Cidade de Pedra - Serra da Babilônia

A estrada virou um leito de rio e foi duro equilibrar a bicicleta com a correnteza que se formou. Também era impossível enxergar o chão devido à água barrenta.

A coisa estava realmente difícil. Os córregos, que normalmente se atravessa pedalando com tranqüilidade, estavam com água pela cintura. Tivemos que tirar toda a carga das bicicletas e atravessar as coisas aos poucos.

Cada vez que voltávamos para buscar outra leva de bagagem o rio tinha subido mais um pouco e a correnteza aumentado. Já estava ficando difícil e até perigoso.

Chegamos a cogitar um acampamento de emergência por ali mesmo, mas o terreno muito inclinado não era nem um pouco propício.

O jeito era tocar adiante mais um pouco e tentar arranjar um local para passar a noite.

Uma comida quente para espantar o frio

Já era finalzinho da tarde e o frio chegou, fazendo difícil a coordenação dos movimentos. Foi o momento mais tenso da viagem (o único, aliás).

A noite chegou e nos pegou cansados, molhados e com frio e sem ter onde dormir e o pior, sem saber muito bem o que fazer. De repente, quase sem conseguir enxergar nada, no meio da escuridão e da chuva, avistamos uma pequena luz.

Como recompensa dos céus (após terem mandado tanta chuva sobre nossas cabeças), acolheu-nos uma das famílias mais hospitaleiras que já encontramos em nosso caminho.

Uma pausa no fim da subida: melhor lugar para um lanchinho e um descanso, é claro.

Primeiro ofereceram o terreno em frente à casa deles para acamparmos, abaixo de um poste de luz que em seguida acenderam. Logo depois, chamaram-nos para ficar na varanda, para nos secarmos um pouco. Em mais alguns minutos ofereceram um café, a casa, um banho, jantar e não sabiam mais o que fazer para nos confortar.

Aceitamos prontamente o cafezinho quente, que teve o efeito de uma poção mágica, descendo e nos aquecendo o corpo. Eram todos muito curiosos e assim que passou a chuva ficaram investigando os isolantes térmicos, os sacos de dormir e todo o resto do equipamento.

Cada um quis entrar na barraca para ver como era. Ficaram intrigados mesmo foi quando dissemos que carregávamos comida e ainda tínhamos como prepará-la.

Pedalando na chuva - Serra da Babilônia

Resolvemos então retribuir o convite para jantar e convidá-los a experimentar nosso menu. Preparamos um arroz de saquinho e um estrogonofe de soja, com direito a creme de leite e tudo (nosso cardápio reservado para noites especiais).

Eles trouxeram mandioca e carne de um porco que estavam fritando. Estava feita a integração. Foi uma noite muito agradável, passamos horas ali, junto ao fogão de lenha, proseando.

Zé de Nenê nos contou sua história, a começar pelo nome, que é assim porque é filho de Dona Nenê: "perdi meu pai quando tinha doze anos. Minha mãe, que era uma mulher muito forte, teve que tomar conta da roça e de meus quatro irmãos. Eu, como era o mais velho, tive que arranjar o sustento da casa, daí resolvi seguir a profissão de meu pai, a catira. Catireiro não tem parada, não. Só fica de uma fazenda na outra comprando, vendendo e trocando coisa. Nunca fui criança, também nunca tive tempo pra pensar em casar. Só trabalhei." Enquanto conversávamos, eles fritavam o tal porco (depois derretem a banha do porco e armazenam a carne junto com ela, em latas, por vários meses). Acabamos por ganhar um perfume de defumado que impregnou toda nossa roupa. Mas não importava, tínhamos aconchego, calor e um teto. O cheirinho levamos de lembrança o resto da viagem.

Flores da região

Ainda tínhamos muita serra pela frente e assim, no dia seguinte seguimos nosso caminho, mas não antes de jurarmos que voltaríamos lá um dia para revê-los. A chuva do dia anterior tinha deixado de recordação um lamaçal interminável.

A lama cobria tudo, correntes, freios, pedais... As bicis sofreram um bocado, mas não iríamos ficar ali esperando a estrada secar para poder passar.

Cada um passou a carregar um pedacinho de pau, com o qual tirávamos o excesso da lama dos pneus, pelo menos para poderem girar. Eis que nesta situação calamitosa temos um encontro inesperado. Avistamos ao longe duas figuras coloridas se movimentando serra a baixo.

A crista da serra é o único lugar mais plano

Não podia ser, não era lógico, mas era verdade. Outros dois cicloturistas vindo na direção contrária. Eles vinham também cheios de lama e cada um trazia... um pedacinho de pau para tirar a lama!

Depois de vários dias sem ver ninguém na estrada, encontrar alguém já é uma felicidade, ainda mais dois cicloturistas. Conversamos bastante, olhamos as bicicletas uns dos outros, trocamos informações sobre o caminho, sobre cicloturismo, parecíamos velhos amigos. Nisso, entre um assunto e outro, acabamos esquecendo de tirar uma foto, uma pena. Depois de vários "sobes e desces" de serra, avistamos finalmente a Serra da Canastra, estávamos no topo de um chapadão (um platô), e entre nós e a Canastra um vale a uns trezentos metros de altitude mais abaixo. Aqui começamos a entender o porquê do nome canastra. Parece mesmo um imenso baú, com paredes abruptas e em cima um terreno totalmente plano (pelo menos aparentemente plano, isso só iríamos conferir dali alguns dias). Segundo informações de todas as pessoas com quem falamos, neste ponto da estrada haveria uma bifurcação que nos deixaria bastante em dúvida.

Nunca viram um cicloturista?

Mas haveria uma grande placa, é o que todos diziam. Realmente havia a tal placa, era verdade, só que, a uns duzentos metros depois, a estrada bifurcava novamente.

Ficamos quase uma hora ali, conjeturando, olhando nossos mapas e tentando chegar a uma conclusão lógica. Mas não chegamos, ambos caminhos poderiam ser possíveis pela direção que tomavam.

Demos um tempo, fizemos um lanche, na esperança de que passasse alguém, mas ia ser difícil. Quando finalmente tomamos uma decisão e nos resolvemos por um dos caminhos, eis que surge um carro: - Sim, claro é por aí mesmo, vocês estão no rumo certo. Bem, antes tarde que mais tarde... Sempre fica mais encorajador enfrentar as subidas quando se sabe que o esforço não está sendo em vão, que não será preciso voltar tudo aquilo novamente.

É impossível não parar a toda hora!

Passado algum tempo de pedal tivemos, ao longe, a visão da Cachoeira Casca d'Anta, a primeira grande queda do Rio São Francisco. Um fio branco cortando a serra.

Apesar de ainda ser cedo, resolvemos acampar ali mesmo, ao lado de uma igrejinha no alto da serra, para aproveitar mais tempo o belo visual da cachoeira. No dia seguinte chegamos a parte baixa da Casca D'Anta, único local do Parque Nacional onde se pode acampar.

Casca D'Anta - Serra da Canastra

A área de camping é muito bem organizada e tivemos o privilégio de tê-la somente para nós. Ali, já com a companhia do Rio São Francisco ao nosso lado, aproveitamos para fazer uns dias de descanso.

Demos uma manutenção geral nas bicis e fizemos a pé a trilha que leva a parte alta da cachoeira (não é uma trilha para ser percorrida de bicicleta).

O lugar é um dos mais bonitos de Minas Gerais. A cachoeira, caindo 180 metros, emociona pela força e beleza. O barulho do vento, da queda d'água e dos pássaros completam a cena.

Serra da Canastra - um grande baú

E não é de hoje que a Casca d'Anta deixa os viajantes extasiados:

"Para ter uma idéia de como é fascinante a paisagem ali, o leitor deve imaginar estar vendo em conjunto tudo o que a Natureza tem de mais encantador: um céu azul puríssimo, montanhas coroadas de rochas, uma cachoeira majestosas, águas de uma limpidez sem par, o verde cintilante das folhagens e, finalmente, as matas virgens, que exibem, todos os tipos de vegetação tropical."

Foi assim que a descreveu o naturalista francês August Saint-Hilaire, em sua passagem por estas bandas.

Acabado o descanso, seguimos para a parte alta do Parque, agora de bicicleta e com toda a bagagem. Demos a volta na Serra, pela cidade de São Roque de Minas.

Parte alta da Casca D'Anta: rio São Francisco poucos quilômetros após a nascente

Passamos no escritório do IBAMA, para conferir as informações sobre os caminhos e sobre as normas do Parque. Fomos muito bem recebidos pela diretoria que colocou-se a disposição para qualquer coisa que precisássemos (inclusive carona).

Ficamos felizes também por saber uma boa notícia ambiental. Grande parte da área que havíamos passado na Serra da Babilônia, na realidade faz parte do Parque, e há planos de transformá-la efetivamente em área protegida.

Não é permitido acampar nesta parte alta do Parque, assim, saímos bem cedo da Portaria São Roque, para podermos alcançar uma outra portaria que fica a uns 40 km de distância, a Portaria São João Batista. Não é uma distância longa, mas suspeitávamos que pararíamos muito, pois há vários atrativos neste trecho.

Bicos de aço!

Logo no início, passamos pelas nascentes do Rio São Francisco, parada obrigatória para quem vem à Serra da Canastra. Reabastecemos as pets com a nobre água da nascente e, alguns quilômetros mais adiante, passamos pelo Curral de Pedra.

O local é a ruína de uma antiga fazenda de gado. Com a escassez de árvores da região, o material mais utilizado eram as pedras, que eram empilhadas fazendo as vezes de cercas. Quanto mais adentrávamos no parque, maior era o isolamento.

Agora era por nossa conta, não há nenhum morador dentro da área do parque, somente os funcionários do IBAMA que ficam nas portarias.

Mas ao mesmo tempo, é uma sensação boa saber que tudo aquilo está de certa forma protegido de ameaças como especulação imobiliária, pecuária, mineração, etc. No caminho, paramos ainda na Garagem de Pedra, uma outra ruína de fazenda, com uma paisagem de não querer mais ir embora do lugar. Desviando um pouco da estrada que corta o parque de ponta a ponta, descemos até o povoado de São João Batista.

O passarinho construindo sua casa

Algumas casas, uma igrejinha, um campinho de futebol e animais passeando soltos... enfim, uma vilazinha muito simpática.

Há também uma pousada, onde passamos somente com o intuito de conhecer, pois íamos acampar próximo a uma cachoeira ali perto. A dona da pousada, não se conformando com a idéia de dormirmos numa barraquinha, ofereceu-nos para ficarmos por um preço bem camarada e disse que já estava indo preparar um cafezinho para nós.

O que não sabíamos era que o "cafezinho" era acompanhado por pão de queijo, bolo, pão e o autêntico queijo canastra, típico da região. Após pedalar o dia todo aquela mesa parecia um sonho, tudo feito em casa e oferecido com o maior carinho. Não é preciso dizer que nem conseguimos jantar depois. De volta para a estrada, atravessamos o que faltava do Parque Nacional da Serra da Canastra e fomos em direção a Serra das Sete Voltas. Na última guarita do Parque, a Portaria Sacramento, uma coincidência muito agradável. Estava lá o mesmo guarda parque que eu havia encontrado em outra viagem de bicicleta que fiz na Serra da Canastra, em 1993.

Estrada boa, de chão batido

Foi incrível porque ele ainda se lembrava de tudo que havíamos conversado, falou como se eu tivesse passado ali há menos de um mês. Acho que são coisas que somente o cicloturismo proporciona. Você faz amizades pelo caminho de uma forma muito diferente do que as dezenas de turistas que passam pelo local todos os dias. Este dia inteirinho nos brindou com uma imensa e interminável reta. Descontamos todas as subidas que havíamos empurrado até então. Pedalamos quase sem parar, empolgados com o bom estado de conservação da estrada de terra.

Também não havia muito o que olhar em relação a animais ou paisagem neste trecho, pois, assim que deixamos o Parque, fomos rodeados por uma enorme plantação de pinus. Dá para imaginar o que teria acontecido com as terras da do Parque Nacional se ali não fosse uma unidade de conservação, certamente um pinheiral tomaria conta do platô da serra...

Há poucos pontos d'água na estrada dentro do parque

Melhor do que uma estrada boa e plana só mesmo uma estrada boa e uma descida. Era o que nos aguardava: a descida da Serra das Sete Voltas. A estrada vai fazendo curvas, num zig zag que justifica o nome, indo em voltando sete vezes. O odômetro já marcava 70km e mesmo ainda tendo várias horas de luz para pedalar, mais uma vez resolvemos acampar mais cedo para curtir o isolamento da serra e tirar fotos. Como das outras vezes, esperamos anoitecer para montar a barraca e, como se diz na região, dormimos que nem criança. Levantamos acampamento bem cedinho e voltamos para a estrada. Dali para frente, passando a Usina de Peixoto, já chega o asfalto e tudo fica diferente. São mais fazendas, mais carros, mais movimento. Não que a paisagem não seja agradável, continua bonita, mas nada se compara com os dias de acampamento selvagem que já havíamos tido.

Serra das Sete Voltas (MG)

Mesmo agora que estava tudo mais fácil, com terreno favorável, continuávamos escutando a frase que marcou toda a travessia, sempre que éramos indagados sobre nosso percurso: - Mas é muita animação, sô! É engraçado, mas cada região tem uma maneira comum de as pessoas se expressarem, que para nós acaba sendo um folclore durante a viagem, de tantas vezes que escutamos a mesma frase.

Numa dessas vezes, um senhor que estava capinando a lavoura de café, perguntou-me (após o já tradicional "é muita animação, sô") porque viajar desse jeito e não de carro. Respondi que o esforço valia a pena para conhecer bem aquela região e também para poder conversar com as pessoas, exatamente como estava fazendo com ele naquele momento. Se eu estivesse passando de carro não estaríamos conversando, certo? Ele, pensativo, abriu um largo sorriso e falou: - É mesmo, né? Passem pra dentro vamos tomar um café ali em casa... Na volta para Franca fizemos ainda um pernoite numa das atrações turísticas da região, as Águas Quentes. Uma piscina de água corrente, que se não chega a ser quente, digamos que tem a temperatura ideal para um relaxamento pós-pedal. Enquanto nadávamos, eu pensava: todos os dias da vida poderiam ser assim, pedalar bastante e depois tomar um banho de piscina.

Nossa casa de campo

Talvez tenha sido uma inconsciente vontade de não ir embora ou somente a falta de costume com um camping organizado, mas tropecei ao descer últimos degraus de uma escada e quase não consegui terminar o último dia de pedalada.

Torci o tornozelo e vi estrelas duas vezes, de dor e pelo céu estrelado sobre minha cabeça. Com muita teimosia, usando a bota de caminhada para dar mais firmeza ao tornozelo, pedalei os trinta quilômetros que faltavam para completar o percurso.

Na hora só pensava em chegar pedalando em casa, 500 km, duas semanas e muitas histórias depois.

Chegando em casa

Mas depois me arrependi, podia ter piorado a lesão, provocando problema mais tarde. Da próxima vez, deixo o orgulho de lado e peço uma carona, Cristais Paulista, a 15km de Franca, foi nosso ponto final, onde nos aguardavam meus pais, com todo o conforto, carinho e aconchego do lar.


Eliana Britto Garcia - Bióloga. É cicloturista desde 1988, já tendo completado mais de 10 mil km em viagens, entre elas: Chile-Santos (Expedição Parques del Sur), Expedição Titicaca, Serra da Capivara e das Confusões, Pantanal e Chapada Diamantina. Rodrigo Telles - Engenheiro. É cicloturista desde 1998, destacando-se a Expedição Titicaca, Serra da Capivara e Serra das Confusões. Juntamente com Eliana Garcia, é fundador e coordenador do Clube de Cicloturismo do Brasil.