Pedalando e educando: 13º Relato

18° Diário - 23 de novembro de 2002 Tailândia

Ola amigos, Neste mês completei 10 mil quilômetros pedalados. Como passa rápido! Já se foi um terço da volta ao mundo... Visitei a ilha de Penang na Malásia que também fez parte da Cia das Índias Orientais e fui para Tailândia. Decidi trocar minha rota de praias no sul do país pelas montanhas do norte e agora estou pedalando perto da fronteira com Mianmar e Laos.

De Taiping, na Malásia, segui para Penang passando por Parit Bunsar.

Hoje Penang é uma ilha turística com várias praias e uma cidade entre o ativo porto e uma montanha cercada por floresta tropical. Fiquei hospedado em uma guest house na china town e acordei com o quarto balançando. Não sabia se era minha cabeça ou a Terra até a hora que vi a água do copo sacudindo. Eu estava no meio de um terremoto! Na verdade eu senti apenas um reflexo do grande tremor que estava ocorrendo na ilha da Sumatra, Indonésia, que depois fui saber que matou várias pessoas e deixou mais de cinco mil desabrigados. Felizmente onde eu estava foi só um susto... Em Penang conheci Alexandra, uma alemã que também está fazendo uma viagem de bicicleta. Resolvemos então pedalar a etapa da Tailândia juntos. Tailândia... Fiz uma mudança na rota da Tailândia. Resolvemos não ficar muito tempo nas praias do sul e fomos encarar as montanhas do norte que nos pareceram mais interessantes por causa de suas várias tribos. A idéia agora é percorrer o norte, atravessar para Laos, voltar para Tailândia e visitar Camboja. Fizemos uma travessia de trem de sul a norte com uma parada perto de Phuket para conhecer as famosas ilhas da região.

Detalhe de uma casa em Penang

A primeira cidade tailandesa foi em Hat Yai, no sudeste do país, onde ficamos uma noite para esperar o trem. Agora é época de monção em todo litoral leste da península (Tailândia e Malásia) e o único dia que ficamos em Hat Yai choveu todo o tempo. A cidade é famosa pelo turismo sexual abastecido pela porta de entrada do país pela Malásia.

Infelizmente em quase todos locais turísticos que passei o que mais encontrei foi prostituição. A oferta é grande e cliente é o que não falta. Existem muitos europeus que visitam o país e alimentam a indústria. O país vizinho Laos tentou durante anos evitar esse turismo, mas a construção da ponte no rio Mekong fez o turismo da Tailândia expandir. A prostituição que esse turismo causou foi tão grande que hoje essa ponte é conhecida como ponte da AIDS.

As prostitutas das cidades turísticas contrastam com as mulheres conservadoras do país. Encostar a mão em uma tailandesa é considerado uma ofensa. Em geral para agradecer algo somente junta-se as mãos (como se eu tivesse rezando) e balanço a cabeça.

 

Vi um elefante andando no meio da rua. Era noite e ele tinha uma luz pendurada no rabo para ser visto pelos carros. Depois comecei a perceber que elefante aqui é mais comum que cavalo no Brasil. Eles foram muito utilizados como meio de transporte e força para desmatamento e hoje são utilizados para passeios e apresentações turísticas. O elefante é o animal que simboliza o país e é muito utilizado nos adornos das casas e nos detalhes das construções dos templos budistas.

Placa na beira da estrada

 

A parada no sul do país durou cinco dias onde pedalamos 250 km e fizemos algumas travessias de barco entre Krabi, Phang-nga e Phuket.

A região que visitamos é extremamente turística. A Ko Phi Phi island é onde vi a maior concentração de turistas em todo meu percurso. O filme The Beach, com Leonardo di Caprio, conta a história de um grupo de jovens que descobre a praia mais bonita do mundo e tenta mantê-la em segredo para não estragar o paraíso. A realidade contradiz a idéia do filme e hoje a praia onde ele foi gravado é um amontoado de barcos com pessoas por todos os lados.

O local também é famoso pelo mergulho. Fizemos um tour de mergulho e a decepção foi geral. Não existe nenhum instrutor para informar os turistas sobre como mergulhar. Poucos sabem que um coral morre simplesmente com o toque das nossas mãos. O incessante e imprudente turismo debaixo d'água resultou na morte de quase todos os corais e hoje restou apenas um grande cemitério.

Phang-nga Marine National Park

De Krabi fomos de trem para o norte do país. Recomeçamos a pedalada em Chiang Mai, cidade famosa pela quantidade de templos budistas que possui. De Chiang Mai passamos por Chiang Dao e Fang seguindo os afluentes do importante rio Mekong que gera um imenso vale fértil e faz a divisa do país com Mianmar e Laos. Nas áreas cultiváveis vimos muitas plantações de arroz e seringueira (borracha) que são os dois produtos que a Tailândia lidera na exportação mundial.

A região é famosa pelas tribos indígenas. Várias já se transformaram em ponto turístico e algumas chegam a cobrar entrada para visitar a aldeia - principalmente as famosas tribos onde as pessoas usam anéis para aumentar o pescoço - já disneylandizou tudo. Pedalando agente percorre muitas pequenas vilas e várias vezes achei que estava passando por algum lugar ainda intocado pelo turismo mas bastava esperar alguns minutos e encontrava algum europeu tirando fotos.

Criança da tribo Lisu - norte da Tailândia

As tribos daqui possuem várias características em comum com algumas da América do Sul. As casas são feitas com bambu, utilizando a mesma técnica das tribos amazônicas. As roupas são muito parecidas com as roupas quíchuas e aimaras e são feitas com as mesmas técnicas e as crianças são carregadas nas costas com panos igual nos Andes. Aqui os indígenas também aprenderam bem o valor do dinheiro e muitas crianças estendem a mão pedindo moedas para todos os "gringos" que encontram.

Desde o início da viagem as casas de bambu me chamaram muita atenção. São muito baratas e relativamente fáceis de construir. Uma opção razoável para o déficit habitacional de muitas regiões do Brasil. Com uma boa orientação técnica esse material pode ser muito bom para substituir as casas de papelão e lona das favelas por locais mais resistentes e saudáveis.

O budismo e a monarquia são muitíssimo respeitados. As cores vermelha, branca e azul da bandeira representam a nação, o budismo e a monarquia respectivamente. Nas estradas existem grandes painéis com fotos da família real e existem milhares de templos budistas distribuídos por todo o país.

O Budismo reflete a vida calma de toda população. Há tempos não vejo uma briga ou discussão nas ruas. É muito comum ver os monges andando com as roupas laranjas. Qualquer homem pode ser monge, inclusive crianças, e quase todos já foram monges por algum período da vida. Durante esse período aprendem a religião e fazem vários trabalhos e meditações.

A comida tailandesa é uma das maiores maravilhas do país. Mas é preciso pedir "no chilli" para poder comer. Se eles colocam o tal "chilli" fica impossível de tanta pimenta. Aqui não é muito comum comer com a mão e nem arrotar. Em geral usam palitos no lugar de talheres e toda comida já é feita em pequenos pedaços para não precisar de faca. Ficamos tão maravilhados com a comida que resolvemos fazer um curso de um dia e aprender alguns pratos. Com a ajuda da professora a comida ficou ótima, mas acho que já não lembro de mais nada...

Templo Budista em Chiang Mai

Para contrastar com as delícias da culinária eles também possuem uns pratos estranhíssimos. Passei por um restaurante cheio de gaiolas com cobras vivas para fazer sopas. Tô fora! Também vi nas ruas umas barracas vendendo besouro, grilos e outros seres fritos. Urgh. E o mais incrível é que eles comem e acham bom.

Pedalar na Tailândia está sendo bastante seguro. É muito comum ver uma moto carregando toda a família - às vezes quatro crianças - e isso faz com que os motoristas dirijam com algum cuidado. Quase todas estradas possuem acostamento e são bem sinalizadas, mas não adianta nada pois não entendo o que está escrito.

Eles usam um alfabeto diferente que é incompreensível para um ocidental. O alfabeto tailandês foi criado em 1283 pelo rei Ramkhamhaeng modelado pelo ancestral sânscrito indiano e o Pali através dos caracteres Khmer. Todos escrevem e lêem utilizando essas letras e poucas placas possuem tradução utilizando o alfabeto ocidental.

Em todos locais que passei vi o péssimo hábito de prenderem animais. Além dos pequenos pássaros engaiolados vi também águias e macacos amarrados. Na porta de alguns templos vendem pássaros engaiolados para o turista libertar e ter boa sorte.

Tanto a Malásia quanto a Tailândia desmataram mais de 60% de suas florestas nas últimas décadas. Hoje grande parte das florestas que restaram foram transformadas em Parques Nacionais.

De Fang resolvemos pedalar seguindo o rio Kok, apesar de não existir estrada no mapa alguns moradores locais fizeram umas mímicas e entendemos que era possível fazer a rota com bicicleta.

Que furada! Existe uma pequena estrada de terra maravilhosa nos primeiros vinte quilômetros e depois ela vira uma trilha que vai desaparecendo até se transformar em mata fechada. O caminho é cheio de cobras e pequenos riachos sem pinguela. Para atravessar os riachos era preciso carregar a bicicleta. Numa das travessias o meu alforge (mochila da bicicleta) caiu na água.

Durante quase um minuto a mochila com o notebook ficou no meio do riacho. Felizmente o alforge é mais impermeável que imaginei e não entrou nenhuma água, ao contrário, ele flutuou como uma bóia de ar. Ufa... No meio da trilha, faltando ainda mais de sessenta quilômetros para chegar na cidade passou um indígena com uma canoa que deu carona até um lugar onde a estrada reaparece e voltamos a pedalar. Chegamos de noite em Chiang Rai, ainda a tempo de ver a festa Loi Krathong.

Desfile da festa Loi Krathong

Todo ano, na lua cheia de novembro, Tailândia comemora a festa Loi Krathong em homenagem à àgua. É um festival de oferendas nos rios, desfiles nas ruas e muitas luzes no céu. Todos preparam seus ramos de flores, incenso e velas para entregar para os rios e agradecer à mãe Terra por tudo que ela ofereceu durante o ano. As ruas parecem desfiles de carnaval. Neste ano a lua cheia veio junto com meu aniversário, 21 de novembro. Parabéns para mim! Agora vou atravessar a fronteira para Laos. Um grande abraço e até a próxima, Argus


PATROCÍNIO: Cultura Inglesa T-bolt Mountain Bike by Proton Edar APOIOS: Atex Lajes Nervuradas, SOL Serviços On Line, Telsan Engenharia, Prudential Bradesco, Grupo Nuevo Mundo e Rotary Club

*Os Textos completos você encontra no site: www.pedalandoeeducando.com.br

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