O Yoga e a bicicleta

A relação do ser humano com o seu habitat envolve necessariamente a questão do seu deslocamento neste habitat. Meios de transporte que estejam mais em sintonia com a natureza se tornarão mais e mais requisitados, desde que a sustentação do esquema do óleo - petro-óleo - têm se mostrado como uma das coisas mais desastrosas nas quais a humanidade já se meteu. Podemos pensar desde os numerosos vazamentos nas praias e mares, com conseqüências duradouras aos locais onde ocorreram tais incidentes (Galícia, Alasca, Paranaguá, Rio Iguaçu, Líbano etc.), até a poluição das cidades onde se torna cada vez mais desagradável ter que pegar o carro para fazer algum deslocamento qualquer devido às inúmeras complicações que ele provoca.

 A cultura do petróleo deve ser questionada. À ela está atrelada uma série de vícios sociais - ter um carro é um status, o carro é um símbolo, não é apenas um meio de transporte. Para termos nosso carro precisamos de estradas, combustível - e sim, vamos concordar com os nossos economistas, é esta indústria que atualmente sustenta o sistema financeiro mundial. Mas, até que ponto devemos considerar isto desejável? Quantas pessoas não são mortas todos os dias por estas máquinas, pela pressa injustificável do esquema à que estamos submetidos, a saber: trabalhar-consumir-trabalhar?

É este o mesmo sistema que coloca o lucro sempre acima das relações sociais, que não tem nenhum problema moral em justificar o trabalho infantil ou a exploração de mão-de-obra barata para os seus próprios fins? Sim, os carros são úteis e são uma das maravilhas do engenho humano - não estamos propondo aqui a abolição dos automóveis - apenas o seu uso sensato e equilibrado - pois, convenhamos, invoquemos o bom senso (aquilo que todos, teoricamente, segundo Descartes, temos de sobra, ou pelo menos achamos que temos) e analisemos imparcialmente a questão. Coloque-se de um lado a bicicleta e do outro o automóvel. De um lado temos um transporte que favorece e melhora nossa saúde, nos coloca na rua, em contato direto com o que acontece ao ar livre, é não poluente, é auto-sustentável em termos de combustível, exige apenas nosso próprio esforço e é muito mais agradável e esteticamente mais bonito. Do outro lado temos o carro - poluente, que nos torna mais e mais passivos, exige toda uma indústria agressiva para se locomover, ocupa o espaço de pelo menos 4 bicicletas, provoca mortes e acidentes diariamente.

É um minotauro moderno ao qual devemos oferecer sacrifícios constantes. De fato, poderíamos até refletir sobre a atual passividade da vida moderna - com seus prazeres passivos, divertimentos que não estimulam a criatividade, e toda sua estrutura de alienação e esquecimento de si - e o seu símbolo maior: o automóvel. E o que o Yoga tem a ver com tudo isto? Em primeiro lugar um yogi é alguém consciente de si e de seu habitat - portanto questionar a cultura do automóvel e tudo o que ela representa está dentro do projeto yogiko. Podemos até pensar na bicicleta como um complemento aeróbico para os exercícios de asanas. Podemos diminuir o karma negativodesta Kali-yuga usando mais a bicicleta, tentando ir ao trabalho ou aos nossos estudos com ela; forçando a sociedade a reconhecer a insensatez do esquema atual e a revolução que as duas rodas podem nos proporcionar. Um deslocamento feito de bicicleta é sempre uma experiência de interação com o mundo, de reconhecimento dos percursos, das pessoas e do que nos rodeia. A bicicleta é, de fato, o meio de transporte anarquista - ela favorece a independência e a liberdade dos indivíduos.

Referências:

No site www.bicicletada.org tem várias informações e outras coisas legais sobre a revolução das bikes. O blog http://apocalipsemotorizado.blogspot.com/ também é muito legal e é um bom fórum para se trocar idéias e ficar a par do que acontece. Pra finalizar este acréscimo ao sutra da bicicleta anarquista, insiro uma pequena e inofensiva paráfrase das palavras de Marx - cuja crítica do capital se aplica naturalmente a nossa crítica do automóvel - o símbolo moderno do capital. Harih Om!

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'Aquilo que mediante o dinheiro é para mim, o que posso pagar, isto é, o que o dinheiro pode comprar, isso sou eu, o possuidor do próprio dinheiro. Minha força é tão grande como a força do dinheiro. As qualidades do dinheiro – qualidades e forças essenciais – são minhas, de seu possuidor. O que eu sou e o que eu posso não são determinados de modo algum por minha individualidade. Sou feio mas posso comprar a mais bela mulher. Portanto não sou feio, pois o efeito da feiúra, sua força afugentadora, é aniquilado pelo dinheiro. Segundo minha individualidade sou inválido, mas o dinheiro me proporciona vinte e quatro pés (Ou quatro rodas!!), portanto não sou inválido. Sou um homem mau, sem honra, sem caráter e sem espírito, mas o dinheiro é honrado e, portanto também o seu possuidor. O dinheiro é o bem supremo, logo, é bom o seu possuidor; o dinheiro poupa-me, além disso, o trabalho de ser desonesto, logo presume-se que sou honesto. Sou estúpido, mas o dinheiro é o espírito real de todas as coisas, como poderia seu possuidor ser um estúpido? Além disso, seu possuidor pode comprar as pessoas inteligentes e quem tem o poder sobre os inteligentes não é mais inteligente que o inteligente? Eu, que mediante o dinheiro posso tudo a que o coração humano aspira, não possuo todas as capacidades humanas? Não transforma meu dinheiro, então, todas as minhas incapacidades em seu contrário? Se o dinheiro é o laço que me liga à vida humana, que liga a sociedade a mim, que me liga com a natureza e com o homem, não é o dinheiro o laço de todos os laços? Não pode ele atar e desatar todos os laços? Não é por isso também o meio geral de separação? É a verdadeira marca divisória, assim como o verdadeiro meio de união, a força (...) química da sociedade.' Marx, Karl, Manuscritos Econômico-Filosóficos

Goura Nataraj Das - Goura é estudante do yoga há mais de 10 anos, tendo estado já algumas vezes na Índia para aprofundar estes estudos. Aqui no Brasil tem como referência o trabalho do professor Pedro Kupfer e demais yoguis da nossa terra. É formado em filosofia e vê a bicicleta como um caminho libertário, bem como o yoga.