Desliguei meu ciclocomputador

Acredito que viajar de bicicleta é uma arte, e um dos princípios básicos da arte ensina que: "Conheça todas as regras, depois burle todas". Uma das primeiras regras que aprendi em cicloturismo foi que deveria ter um ciclocomputador. A princípio ele teve sua função. Pude conhecer minha velocidade em subidas, vento contra e etc. Mas a muito tempo que essa diabólica maquinazinha só me trazia estresse. Um sinal incessante, o tempo passando em minha frente, a pouca quilometragem me indicando que falta muito, a pouca velocidade em dias de subidas... e ainda por cima zerava sem mais nem menos. Me vi "obrigado" a anotar minha quilometragem diária. Acabei transformando minha viagem em uma empresa de contabilidade. Li um relato de um alemão que em todo seu percorrido fazia gráficos com a quilometragem total, a distancia das subidas, das descidas, a inclinação, a altitude e a direção do vento... Deus me defenda!

 

Ok, esse pode ser o seu barato. Ele deve gostar de pedalar pelo "Mundo Maravilhoso da Matemática". Eu não quero mais. E como toda droga, largar não foi fácil. A todo momento olhava para um guidão vazio, procurando um número que me acalentasse ou me decepcionasse. Mas depois que passou esse momento de ansiedade o que ficou foi uma viagem leve e essencialmente natural. Agora quem manda no meu tempo é o sol e na quilometragem, minhas pernas.

A sociedade já me empurrou números demais: dados, datas, valores, porcentagens, distancias... nada mais que números. Não preciso mais deles. E alem de tudo, distancia não quer dizer muita coisa. Você pode pedalar milhas e milhas. Dar a volta ao mundo contando quilometro por quilometro. Um dia chegará em uma cidadezinha e encontrará um cidadão que todas as manhas pega sua bicicletinha e vai a padaria. Constatará que ele tem uma consciência muito mais ampla que a sua. Porque enquanto você pensava em quilômetros ele pensava na vida.

Agora, se alguém me perguntar quantos quilômetros percorri, não saberei ao certo. Mas se me perguntarem o que aprendi, direi com muito orgulho: "- Desliguei meu ciclocomputador!"

Rafael Limaverde
Artista plástico de Fortaleza. 
Em 2002 iniciou uma imensa jornada de bicicleta pela América Latina.    
www.bicicletapelomundo.com.br